quarta-feira, maio 20, 2009

à bien trop tôt

Medo da madrugada
De nela estar desperta
De malas abertas e de ter que fechá-las

Mas não tenho saudade e quero que passe logo
Esse tempo de fechar malas
Antes que a saudade se invente

Tenho medo de não poder carregá-las
Ou de que meus restos permaneçam
Jogados pelos cantos, sem historia, sem cheiro, sem marca

Já que é assim que será

Eu preciso mais que isso para gravar
Eu poderia nem ter desfeito as malas
Ou tê-las desfeito antes
Se eu soubesse que preciso mais que isso para gravar

Afinal, quem grava?
A formiga que desfaz as malas e ajeita suas coisas ao redor?
a cigarra que permanece com as malas fechadas e
se permite cantar improvisando com as coisas que vai encontrando no entorno?

Afinal, viver é de gravar?
je ne sais pas.

3 comentários:

Mayana Redin disse...

nao tive como nao lembrar do Alberto Caeiro, no "grandes são os desertos". muito lindo teu escrito. aí vai um pedaço, pra uma conversa:

"Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.
(...)
Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.

Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.

Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.
(...)"

Talita disse...

marca d'água

Talita disse...

marca d'água